Adriana Barbosa: “Precisamos nos apropriar de toda cadeia de produção”

Para além da “seviralogia”, a idealizadora da Feira Preta enxerga nas áreas de inovação e tecnologia uma maneira para a autonomia financeira da população negra. Uma das pioneiras na discussão afroemempreendedora, a gestora cultural Adriana Barbosa foi premiada em 2017 como uma das 100 pessoas negras mais influentes do mundo. 

Mariana Gomes| A Lista Negra
gomes@alistanegra.com.br

Adriana Barbosa é conhecida por desafiar limites da “seviralogia”. Foto: Divulgação.

Adriana Barbosa é nome reconhecido no Brasil inteiro. Há 17 anos está à frente da Feira Preta, maior evento de cultura negra da América Latina. Atualmente, a paulistana também está envolvida em diversos projetos, como PretaMultimídia, Black Codes e Afrohub. A Feira, que ainda funciona como uma plataforma de impulsionamento de empreendedores negros, também possui uma iniciativa “guarda-chuva” de projetos chamada Afrolab.

Depois de ficar desempregada, Adriana e sua sócia, Deise, começaram a Feira Preta na praça Benedito Calixto, na zona oeste de São Paulo, aplicando o que chama de “sevirologia”, o que define como a arte de inovar diante contextos de vulnerabilidade. Estratégia de sobrevivência que aprendeu desde cedo dentro de casa, sendo a quarta geração de uma família de matriarcas. Comunicadora, com experiência no mercado musical, a paulistana se formou com o passar do tempo em gestão cultural e compreendeu o ecossistema do empresariado brasileiro.

Da criatividade que herdou de suas mais velhas até o nome dos projetos que participa, a empreendedora se desafia  e compartilha o sentimento de pensar fora da caixa e alcançar grandes objetivos. Para isso, acredita no potencial das áreas de tecnologia para inserção de pessoas negras nas mais diversas cadeias de produção, enquanto empreendedoras.

A brasileira Adriana Barbosa (no centro) ao lado de outras pessoas influentes reconhecidos no MIPAD em 2017. Foto: Reprodução.

A empresária esteve em 2017 nos Estados Unidos (EUA) para ser premiada no MIPAD (Most Influential People of African Descent) como uma das 51 pessoas negras com menos de 40 anos mais influentes do mundo. Ela que investe na energia da diáspora negra enquanto território, teve a oportunidade de comparecer a um jantar com o ex-presidente dos EUA, Barack Obama e outros líderes, para pensarem sobre empreendedorismo e outros desafios enfrentados pela população negra em nível global. 

Quer saber mais sobre a trajetória desta mulher de negócios? Confira a nossa conversa a seguir:

Lista Negra: Uma das coisas mais interessantes na sua história é perceber que além do crescimento da Feira Preta, você está envolvida em outros empreendimentos. Como tem sido experimentar essa multiplicidade de negócios?

Adriana Barbosa: Experimentar a multiplicidade é vivenciar uma visão sistêmica. Todas as ações desenvolvidas pela plataforma tem uma relação com a Feira Preta. O que fazemos está pautado em quatro pilares: criação, produção, distribuição e consumo. A Feira é o espaço de escoamento das criação da e inventividades da cultura e da estética negra. Mas para chegar num escoamento competitivo é preciso olhar para os processos de produção. E por isso temos o Afrolab, que é o programa de aceleração dos empreendedores com o foco no desenvolvimento do produto.

Lista Negra: Em uma entrevista você comentou que um sonho para a Feira Preta é criar laços na Colômbia. No seu ponto de vista, qual a importância de se conectar com a diáspora no exercício do empreendedorismo?

Adriana Barbosa: O Brasil é o maior país negro depois da Nigéria. Somos muito abundantes nessa diáspora, mas é preciso conectar essa diáspora para sermos mais potentes e aí sim falarmos nesse sexto território que é a diáspora africana. Vivenciar isso na Colômbia foi maravilhoso por meio do programa Afroinnova da organização colombiana Manos Visibles. Pude aprender com outras lideranças as suas ações empreendedoras e o que temos de comum na nossa forma de fazer em função da nossa ancestralidade. Conectar essas diásporas é sobretudo fortalecer a nossa identidade que é ancestral. Não importa onde estejamos, teremos traços mini similares na nossa forma de fazer. 

“Conectar essas diásporas é sobretudo fortalecer a nossa identidade que é ancestral.”

Lista Negra: Para você, quais são as apostas para mais investimentos na indústria e na tecnologia por afroempreendedores no Brasil?

Adriana Barbosa: Vejo precisamos nos apropriar de toda cadeia de produção. Estamos muito ainda com o foco no produto final. Se para cada boneca que a Feira precisa de tecido, linha, botão e tinta, como que podemos ser também os fabricantes das tintas dos tecidos e dos botões? Então a grande aposta é também olharmos para as pequenas indústrias para novos processos de produção, como por exemplo, impressora 3D ou impressora de tecido. Podemos ficar também em criamos as estampas e colocar no mercado para todo mundo e não ficarmos somente na capulana que é um tecido africano. Estamos precisando ampliar um pouco mais o nosso repertório, nossa forma de fazer e nossa visão estética. Já somos potentes, nossa estética é maravilhosa. Imagina se dominar outros processos e outras linguagens estéticas. Ninguém nos segura!

Feira Cultural Preta na Praça das Artes (SP) em novembro de 2017. Foto: Feira Cultural Preta/ Divulgação.

Lista Negra: Desde o surgimento da Feira Preta até hoje, como avalia a rede de afroempreendedores que tem surgido no Brasil?

Adriana Barbosa: O Brasil vive um boom do tema de afroempreendedorismo. Há 17 anos atrás a Feira Preta ao trazer a pauta foi pioneira no tema. Era difícil até mapear os empreendedores e até se posicionar como um evento negro com estética e gestão negra e com o nome Feira Preta para o mercado. Reunimos mais de 150 mil pessoas em 16 edições, centenas de empreendedores. Hoje temos um avanço enorme no tema que está em pauta, principalmente na iniciativa privada pelo guarda-chuva de diversidade. Fala se mais em cadeia de valor, em como incluir negros na cadeia de fornecedores e cada vez mais os bancos têm olhado para o acesso crédito dos micro empreendedores.

Hoje é possível perceber um ecossistema do afro empreendedorismo. Com vários atores no campo, como aceleradoras, fintechs, redes de apoio, cadeia de produção com escritório de designer, contabilidade, advogados focados em atender e apoiar o empreendedor negro. E cada vez mais falamos em empreendedorismo afrocentrado, que são produtos criados para atender os 110 milhões de afro descendentes.

“Já somos potentes. Ninguém nos segura!”

Lista Negra: Num momento como esse em que o índice de desemprego é tão alto, o que você indicaria para o crescimento dos negócios de empreendedores negros que estão surgindo e se encaminhando?

Adriana Barbosa: Se qualifiquem. Sem entender os códigos do ecossistema do empreendedorismo é impossível crescer e ter escala. É preciso a transcendência da sevirologia, da escassez da necessidade para oportunidade. E para termos oportunidade precisamos decodificar os códigos do empreendimento brasileiro. É preciso ter finalização para acessar os créditos e os negócios para ter escala. Para crescer e ter mais produtividade precisa ter acesso ao capital. Num primeiro momento tudo bem começar com o que tem em mãos de uma maneira mais informal, mas é preciso ter objetivos de crescimento e para crescer precisa se planejar e dominar as ferramentas de gestão.

Lista Negra: Empreender foi sempre uma das maneiras de sobrevivência para a população negra no nosso país. Pensando na última década e no que têm se desenvolvido agora, podemos falar numa nova era do empreendedorismo negro daqui para frente?

Adriana Barbosa: Sim, com certeza. Em 2015 aplicamos uma pesquisa nacional sobre o perfil de comportamento do empreendedores negros em parceria com o Fundo Baobá e o Instituto Arapyau. Eu destaco dois dados. Um dado se refere a esse contexto. Mais de 80% dos empreendedores são mulheres negras com alto grau de escolaridade em nível mestrado e doutorado que não consegue se inserir no mercado de trabalho formal e empreende na lógica da necessidade para ter o mínimo de recurso para sobreviver. Mas tem uma outra parte do público que respondeu, que são jovens até 30 anos que olha para o potencial de 110 milhões de Afrodescendentes que resolve criar produtos afrocentrados para atender a demanda de consumo, tais como os negócio: Conta Black, Afrô, Clube da Preta. Ou seja, negócios que passam por necessidade, mas que empreendem por oportunidade.

 

Com edição de Midiã Noelle. 

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