Empreender é, antes de tudo, acreditar em si mesmo. Para tirar uma ideia da cabeça e colocar no papel, o maior esforço é o de confiar em sua visão, a despeito das inúmeras dificuldades do caminho. É ter plena convicção da sua capacidade de realizá-la, mesmo que o banco ou seus entes mais queridos não acreditem. É renovar essa fé a cada recomeço – e serão vários.
Há dois anos deixei uma carreira corporativa para criar uma startup sem ter uma ideia muito nítida do que isso significava, além dos falsos clichês de trabalho despojado, expansão e riqueza repentinas. Entre a ideia e o produto, foram nove meses – uma gestação. De lá para cá, outros 12 meses de uma curva de aprendizado que passa por mentorias, acelerações e uma sensação diária de que a cada segunda-feira estamos começando tudo de novo.
Antes de o empreendedorismo ter o status de hoje, nossa gente já o vivia como estratégia de sobrevivência: nas ruas, vendendo, produzindo, abrindo caminhos sempre novos para colocar comida em casa. A resiliência é outra dessas palavras que a gente conhece bem antes de virarem modismo. É um sinônimo para nossa resistência, nossa luta diária de existir em uma sociedade que nos quer cordiais, quando não mortos.
“Há, no Brasil, desafio estruturante maior do que a desigualdade racial?”
Confiar em nossa capacidade realizadora não é um desafio trivial. Ela é testada em diversos momentos, exigindo sempre um enfrentamento alerta. Se o empreendedorismo evolui em conceitos, técnicas e tecnologias, também evoluem as barreiras de acesso, os mecanismos sutis de exclusão e, sem dúvida, as estruturas sofisticadas para nos enquadrar em modelos pré-formatados e rótulos carregado de estigmas redutores: nicho, superação.
Uma tendência do capitalismo global é buscar soluções de mercado para problemas sociais estruturantes – são os chamados negócios de impacto social. O foco é que os negócios de grande potencial de crescimento fomentem em sua cadeia de valor resultados positivos, como melhoria de condições de vida ou acesso a serviços. Há, no Brasil, desafio estruturante maior do que a desigualdade racial?
Deixo esta pergunta nos diferentes salões do ecossistema de inovação, tecnologia e impacto nos últimos dois anos. Um ambiente majoritariamente composto de homens brancos, com alto poder de investimento que busca dos escritórios elegantes soluções escaláveis e replicáveis para as ‘comunidades’. A resposta é o desconforto e o histórico silêncio condescendente.
As respostas não virão dos escritórios – nós sabemos. Virão das nossas inteligências, das nossas criações. Esta convicção alimenta a confiança. Mais do que um empreendimento circunstancial, devemos encarar nossas iniciativas como parte de uma ação coletiva de fortalecimento da população negra. Esse é o impacto real: o sucesso de nossas realizações, os espaços que ocupamos e compartilhamos para que mais de nós alcancem este lugar.
Em janeiro, cheguei a São Paulo para um novo começo. Com uma mochila nas costas, sem pouso fixo ou verbas garantidas, chegamos três jovens negros para uma residência de seis meses na Estação Hack, o centro de inovação do Facebook no Brasil. Nós tínhamos uma certeza: aquele espaço não era nosso, mas do ecossistema de negócios afroempreendedores. Foi a mais difícil experiência de minha carreira até aqui. E diante do impacto que precisamos gerar para nossas gerações futuras – ainda é só mais um começo.
*Antônio Pita é jornalista, soteropolitano, formado na UFBA e atuou como repórter de Petróleo e Gás do Estadão por 5 anos, antes de criar a startup de turismo Diaspora.Black, em 2016, rede de viajantes e anfitriões presente em mais de 70 cidades.