O debate sobre a autoestima da população negra através dos cabelos crespos e cacheados já está em destaque na mídia e isso é muito positivo. Entretanto, é necessário ampliar a pauta e contemplar outras vertentes dos cabelos afros, como por exemplo, dos fios que aderem aos dreadlocks, ainda estigmatizados. Felizmente, o que alguns olhos enxergam com preconceito, muitos outros vêem como é, belo, e para além disso, como oportunidade. Nesse caso, de empreender! Assim ocorreu com dois jovens que em julho de 2013, durante um encontro de estudantes, ofereceram serviços voltados para dreads como complemento financeiro e acabaram transformando a necessidade no próprio negócio. Surgiu então a Mukunã.
Quando voltaram para Salvador criaram uma página no Facebook com as fotos dos trabalhos feitos no encontro, arregaçaram as mangas e começaram o trabalho – hoje, principal fonte de renda deles e da equipe composta de mais seis pessoas. “Percebemos a carência no mercado, tanto de profissionais que cuidem da estrutura do dread de maneira correta, apenas com agulha, sem linha nem cera, mas também uma carência de produtos específicos para o nosso cabelo, o nosso mukunã que tem demandas específicas”.
Confira abaixo a entrevista completa do Lista Negra com a Mukunã:
Lista Negra- O que significa Mukunã e quem são as pessoas da equipe?
Mukunã – Antes mesmo de ter dreadlocks nós sempre tivemos a preocupação de estar em contato com nossas raízes e exaltar a nossa ancestralidade, por isso escolhemos este nome em iorubá que significa “cabelo”.
Inicialmente, a Mukunã era apenas composta pela Ana Vitória e Cláudio Argolo, mas hoje, é composta por mais seis outros jovens que também não se encaixam no mercado de trabalho padrão e somam na Mukunã diversificando o leque de serviços oferecidos, como tranças, dreads de lã, dentre outras estéticas que envolvem o dreadlock.
LN – Como está sendo a aceitação e procura pelo trabalho do Mukunã? Qual o perfil do público de vocês?
Mukunã – O nosso público é bastante diversificado, mas em sua maioria são mulheres e homens jovens, estudantes, mas no geral, pessoas que prezam e não abrem mão da liberdade de usarem o seu mukunã da maneira que bem entendem. São mulheres que estão no seu processo de empoderamento estético, homens que estão descobrindo o seu cabelo, pessoas que sempre usaram dreads, mas não sabiam que existia uma gama de cuidados e possibilidades específicas para o dreadlock.
LN – Na página do Facebook o Mukunã destaca que é preciso acreditar no ideal de ser livre. Isso vem muito também da filosofia rastafari, correto? Com base nisso, perguntamos: qual a dica de vocês para as pessoas serem mais livres, desprendidas de padrões e se tornarem o que quiserem ser?
Mukunã – Nós acreditamos que a liberdade de fato começa pela cabeça e que quando o processo se inicia, fica quase impossível dar um passo atrás. Se libertar das amarras sociais que ainda hoje nos diz que o nosso cabelo é sujo, é só o primeiro passo. Nós percebemos que é necessário cutucar a ferida ao representar o negro dreadlock em posição de poder, nos espaços de moda, arte, mostrar onde podemos e queremos estar, pela representatividade. A liberdade começa com a aceitação de si, quando se percebe que sua individualidade deve ser respeitada em qualquer espaço.
Mukunã – É desafiador, pois com o avançar do conservadorismo, ao mesmo tempo em que hoje devido à internet é mais fácil abrir discussões sobre racismo, também é muito difícil se fazer ouvir de fato, ter espaços para além da internet para que nossas ideias cheguem para mais pessoas terem acesso. Tanto para que as pessoas se sintam confiantes para usarem os dreadlocks, quanto que outras pessoas se inspirem em nossa história e acreditem no seu próprio negócio também.
LN – Vocês trabalham com dreadlocks. Atualmente a indústria da beleza ainda é focada muito mais nos cabelos cacheados e, agora também, nos cabelos crespos. Como vocês se enxergam dentro desse mercado? O que ainda precisa ser feito, melhorado?
Mukunã – Nós nos enxergamos disputando também! Atualmente nós estamos no processo de finalização das fórmulas do nosso novo shampoo para dreads, que será um produto orgânico, composto de 100% óleos vegetais e especialmente pensado para o cabelo dreadlock e suas particularidades. Essa é mais uma demanda que acreditamos ser necessário, pois os cabelo dread tem particularidades que o mercado atual, mesmo que atualmente mais voltado para o cabelo cacheado/crespo, não atende.
LN – E, por fim, como é ser empreendedor de beleza na Bahia? E quais dicas vocês dão para pessoas que estão em busca de abrir o próprio negócio?
Mukunã – Ser empreendedores negros em nosso estado é, apesar das dificuldades, se renovar e se sentir revigorado à cada serviço prestado. Perceber a satisfação de um cliente que, por exemplo, nunca havia recebido um cuidado mais específico nos dreads ou de uma mulher que se sente plenamente bela com dreadlocks após anos presa aos cruéis processos de alisamento, é revigorante e nos emociona sempre. Ser parte importante no processo de empoderamento, principalmente no que diz respeito à pessoas negras, para nós é grandioso e um prazer extraordinário.
Para os novos empreendedores, a dica é não ter vergonha de pedir ajuda quando achar que se deve. O mercado racista quando mostra os ditos empresários de sucesso, sempre os expõe como se tivessem chegado onde estão sozinhos, no entanto não é verdade. A dinâmica do povo negro mesmo antes de se falar tanto em afroempreendedorismo era outra, vemos isso nitidamente nos negócios familiares tão presentes nas periferias. Nós temos o colaborativismo à nosso favor e devemos usá-lo através de parcerias, compartilhamento de ideias para a melhoria de um todo.