Para além do Think Olga

Hoje, 8 de março, Dia Internacional da Mulher, eu, mulher negra, jovem, jornalista, baiana, optei por escrever um relato, que pode ser considerado desabafo. Há alguns meses não publico no Lista Negra por – algum motivo – pensar que o meu trabalho não estava consistente o suficiente, ou por crer que não alcançaria as expectativas das pessoas que acreditam nessa causa, que de tão simples gera muito impacto: dar visibilidade aos perrengues enfrentados por pessoas negras para colocar seu empreendimento para funcionar. No dia a dia, assim como os perfilados e as perfiladas por mim, também enfrento barreiras para alcançar o esperado sucesso profissional e do meu projeto. E essa agonia pelo dar certo gera muita ansiedade, auto cobrança e desgaste emocional que afetam diretamente a minha saúde física e mental. Me pergunto com frequência: como encontrar o equilíbrio entre o ser idealista, militante, entender um empreendimento como tal e ainda sobreviver fora da realidade virtual? Por não saber a resposta, me paralisei por um tempo. Afinal, no meio de tudo, ainda há a vida pessoal e quando o trilho está para descarrilhar, como por pouco ocorreu no ano passado, a melhor opção é puxar o freio.

2016 foi um ano corrido. Mesmo chegando ao fim tem quase um trimestre, sinto que ainda não acabou porque tenho pendências eternas que parecem não chegar ao fim. A melhoria do Lista Negra é uma delas. Penso: devo concluir meu projeto de canal de vídeos no Youtube, terminar o capítulo da minha dissertação, ou fazer aquele texto do meu trabalho como assessora? Me pego sempre no dilema da falta de tempo, ou da falta da organização do tempo. Os acúmulos são tantos que não consigo nem parar para fazer o meu marketing pessoal. Sabe aquilo que pessoas como a Monique Evelle fazem tão bem? Botar a boca no trombone para evidenciar o que fazem? Então, se não fazemos isso, não existimos. A lógica é a mesma do nome e sobrenome, como Lélia Gonzales nos ensinou: se não dissermos nosso nome, o racismo coloca o nome que quiser em nós. Em miúdos, se não “nos promovemos”, somos esquecidas (os), descartados (as), ignorados (as) e invisibilizados (as). E isso não pode acontecer nesse mundo conectado e manipulador. É preciso existir e resistir.

A minha incapacidade de auto promoção alcançou um status tão elevado dentro de mim que fui eleita pelo site feminista “Think Olga” (maravilhoso) como uma das Mulheres Inspiradoras de 2016 pela criação desta página que você lê e eu nem escrevi sobre isso aqui. Acredita? Apenas um breve comentário em meu perfil do Facebook e considerei o suficiente para marcar esse acontecimento, porque a verdade é que eu não conseguia entender a magnitude daquilo. O fato de eu ser jornalista e sair na categoria “educação”, por exemplo, me causou reflexão sobre o propósito do Lista Negra. Não é apenas informativo… É educativo. Achei interessante. O lance do racismo é tão grande que mesmo estando em uma universidade pública, cursando mestrado, preciso reafirmar sempre em minha mente a posição privilegiada que estou e me afirmar como merecedora disso. Preciso fechar os olhos negros, incorporar a socióloga Viilma Reis e mentalizar o mantra: eu sou malassombrada, eu sou malassombrada, eu sou malassombrada.

Nesta magnífica menção, pude dividir o título de inspiradora com ícones como Elza Soares, Djamila Ribeiro, MC Linn da Quebrada, MC Sophia, entre outras. Mas meus olhos lacrimejaram foi com a forte presença das não tão anônimas guerreiras baianas: Carla Akotirene, Naira Gomes, Alane Reis, Ivy Guedes, Naiara Leite, Jamile Menezes, Mônica Santana, Ana Paula Rosário, Samira Soares, Laina Crisóstomo, entre outras grandes mulheres. Todas possuem algo em comum: são minhas heroínas contemporâneas. Não são poucas as pessoas que “tomaram a pílula de Matrix” após conhecer uma destas mulheres. Seja na serenidade e fôlego infinito de Mônica em “Isso não é uma mulata”, no trabalho brilhante e incansável da Soteropreta Jamile, no afrotombo “LGBTerrorista” de Samira, ou na assistência que vai desde o cuidado nos corredores hospitalares ao poder de fala de Carla. Essas mulheres militam com ou sem holofotes contra esse sistema opressor que nos mata e violenta em doses homeopáticas.

E é por elas, pela minha mãe, pela memória da minha avó, pela minha irmã, pelas minhas amigas, pelas nossas ancestrais, por nós mulheres, mulheres negras, que batemos de frente cotidianamente com o racismo, com o machismo, com o sexismo, com a homofobia, entre outros males, que me mantenho em pé e faço esse relato nesta data simbólica. Por isso, citando uma ciranda que me emociona muito, mas que desconheço a autora, agradeço a sororidade e a reflexão:  “companheira me ajude que eu não posso andar só, sozinha eu ando bem, mas com você ando melhor”.

Texto elaborado pela jornalista Midiã Noelle e publicado na primeira versão do site A Lista Negra em 2017. 

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