Empreender no campo audiovisual – assim como em outras áreas – é desafiador. Afinal, é um campo que necessita de ampla capacidade criativa e de ‘feeling’ para sacar as dinâmicas do que está em voga para alcançar o público. Agora, quando ainda é aliado a discussão racial, o trabalho dobra, triplica. Em especial quando temos expressões como #HumorNegro, #ListaNegra (qualquer semelhança não é mera coincidência) e outras utilizadas nas produções. E, mesmo na compreensão de que é complicado falar sobre racismo em uma sociedade que tenta “mascarar” sua existência, a Ouriçado Produções surge na cena audiovisual baiana para sim, futucar e incomodar quem só está acostumado com as comédias sobre costumes baianos.
Em bate-papo com o Lista Negra, o publicitário Heraldo de Deus Borges, um dos idealizadores da Ouriçado, conta como foi o surgimento. O também ator, com formação no curso Livre de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA), já participou de quatro espetáculos teatrais e atualmente apresenta o programa Corte Seco (também na internet) da Dimas (Diretoria Audiovisual), que traz as atualidades do audiovisual baiano e brasileiro.
Confira a entrevista!
Como surgiu a Ouriçado Produções?
A Ouriçado Produções surgiu como um canal no youtube apenas. Na nossa primeira reunião em 2014, o ator Leno Sacramento lançou a ideia. De novembro até fevereiro o projeto ficou estagnado. Então fui na casa dele, abri meu caderno e disse: ou tiramos a Ouriçado do papel ou ela não passará de uma boa ideia. Dez dias depois estávamos gravando nosso primeiro vídeo. Surgimos como um canal do youtube, a primeira proposta era essa. Leno muito inquieto resolveu produzir espetáculos teatrais e o resultado até que tem sido legal.
Como é o funcionamento da Ouriçado?
Funcionamos como um coletivo. Pegamos o que de melhor podemos oferecer e colocamos à disposição do nosso trabalho. Os custos das nossas produções são retirados do nosso próprio bolso. É um trabalho que a gente acredita e julga bastante importante, pela temática, pela possibilidade de dar protagonismo ao negro, pela oportunidade de fazer e viver arte.

A regularização enquanto empresa dificultaria o trabalho ou ampliação da Ouriçado?
Sobre a regularização, não acredito que dificulte o trabalho não. Até por esse motivo sou empreendedor individual. O meu CNPJ contempla as atividades que fazemos e está sempre à disposição da Ouriçado.
Quais os desafios que você observa no mundo do entretenimento e da arte relacionadas as questões raciais?
Representatividade importa! E uma representatividade verdadeira. A nossa TV, nossa publicidade não nos retrata ainda de forma devida. Lembro-me da minha adolescência quando vi Icaro Silva de Black Power fazendo malhação, Lázaro Ramos fazendo Os Pastores da Noite. Nossa, vi que era possível Negros estarem nesses espaços, mas ao mesmo tempo, percebi que ainda era um recorte muito raso.
Mas, está mudando…
É como aquele vídeo que a Leslie Jones, do elenco de Caça Fantasmas, agradece a Whoopi Goldberg por mostrar que ela poderia ser atriz! A revolução está acontecendo. Ver Mr. Brau, ver a campanha da Avon com mulheres Negras, mulheres gordas, mas principalmente empoderadas, é super importante. E é isso que a Ouriçado busca, mostrar que o negro pode interpretar Shakespeare, Ibsen ou fazer qualquer outro personagem.
Texto elaborado pela jornalista Midiã Noelle e publicado na primeira versão do site A Lista Negra em 2016.